13 Reasons Why

O argumento desta série da Netflix, baseada no livro homônimo de Jay Asher (que no Brasil tem o título de Os 13 Porquês), é no mínimo intrigante. Uma adolescente que cometeu suicídio deixa para trás um registro dos 13 motivos que a fizeram desistir de viver. Por trás do mistério principal, a intenção assumida de abrir discussões sobre assuntos que ainda são tabus, ou no mínimo complicados em nossa sociedade.

Já faz alguns dias desde a morte de Hannah Baker (Katherine Langford), quando Clay Jensen (Dylan Minnette) recebe um pacote com sete fitas K7 e um mapa. Após resolver um conflito tecnológico – fitas cassete em 2017! rs –, o adolescente começa a ouvir os depoimentos da colega de escola. Divididos em 13 lados das tais fitas, um para cada motivo.

A distribuição parece ser uma das escolhas mais certeiras da adaptação. Afinal, 13 motivos = 13 gravações = 13 episódios, um número tradicional de capítulos das séries do serviço de streaming. E sim, estender a discussão e abrir espaço para mais pontos de vista é realmente uma boa escolha, mas talvez treze episódios tenham sido demais.

Enquanto nos livros Clay escuta as fitas em uma única noite, aqui ele leva dias. Digere cada um dos motivos e confronta seus “motivadores”. Em um impacto inicial, ou em motivos mais “complexos”, essa hesitação até faz sentido porém em outros momentos o conflito do rapaz soa repetitivo e desnecessário. Mesmo sabendo que está na lista, o jovem não termina de ouvir as fitas antes de começar a confrontar os outros “culpados” – mesmo com todos os personagens implorando repetidamente para que ele escute tudo antes de tomar decisões. Quando nós expectadores começamos a engrossar este coro de “escuta logo!”, pode ter certeza, estes são os momentos de enrolação.

Não me leve a mal, o tempo extra que o protagonista – que na verdade é Clay, e não Hannah – leva para ouvir as fitas é uma boa escolha. Podemos acompanhar a repercussão na escola, entre pais, alunos e professores. Cada uma das personagens que motivaram a adolescente ganha mais espaço e camadas, assim como os motivos em si ganham mais tempo de discussão. O problema é que o tempo necessário para contar e discutir uma briga entre amigas não deveria ser o mesmo dedicado aos temas “suicídio” ou “assédio”.

Encontrar os episódios designados como “fita 1, lado A”, ao invés do tradicional “temporada 01, episódio 01”, é uma graça. Mas a necessidade de padronizar o tempo de cada discussão, causa um desequilíbrio narrativo que torna o miolo da produção arrastado, e deixa seu episódio final com muita coisa para resolver, já que tem que finalizar a história como um todo além das fitas. Mas não é o ritmo da narrativa ou qualidade das atuações e produção (que são ótimas, aliás) que está chamando a atenção do público. São os motivos, e a coragem de abordá-los sem pudores ou censura.

Bullying, cyberbullying, violência doméstica, assédio sexual, estupro, depressão e, claro, suicídio. Apresentados em ordem crescente de destruição tanto de Hannah, quanto dos supostos culpados. Vale citar que Clay é apenas um dos destinatários da fita, os demais “causadores” da morte da garota também estão gradualmente tomando consciência de seus atos, e consequentemente mantendo a discussão sobre cada um deles ativa.

E por falar em culpa, é aqui que devemos ter um olhar mais atento. Assim como na vida real, os personagens nem sempre tem consciência de que seus atos sejam nocivos a terceiros, ou os cometeram com a intenção de atingir alguém. Mas a série coloca no mesmo patamar, uma pessoa que cometeu bullying propositalmente e outras que apenas fizeram escolhas equivocadas em momentos que, para Hannah eram críticos – mas para eles, não. A própria série assume isso, quando alega que aquela é “a verdade de Hannah”, e que algumas coisas podem não ter acontecido exatamente como a percepção que ela teve.

Não estou tentando amenizar os motivos que levaram a moça ao suicídio. E concordo que podemos sempre estar mais atentos ao próximo, melhorar a forma como tratamos uns aos outros. Mas essa forma de culpabilização generalizada, apesar de fazer sentido para a vítima (para Hannah, tudo está interligado), para expectadores mais influenciáveis e fragilizados pode passar ideias erradas. Estes podem acreditar que todos os atos que o magoaram foram de alguma forma proposital, e, pior, de que o seu suicídio pode ser uma forma de vingança, ou justiça. Afinal, era assim que a garota via o mundo a sua volta.

É essa possível interpretação equivocada que tenho visto pouca gente discutir sobre a série. Talvez por causa da coragem temática da série (que é necessária), talvez porque quem a esteja discutindo publicamente esteja mais preparado para interpretá-la e não cair neste equívoco; porém não podemos ignorar que existe a possibilidade de a mensagem errada ser recebida. Ao menos a produção não romantiza o suicídio de Hannah, ou qualquer outra violência mostrada em cena. Tudo é mostrado de forma crua, visceral e incômoda, para que o expectador chegue ao menos perto do impacto que estes eventos podem ter na vida de alguém.

O que nos leva de volta a produção em si. A escalação de um bom elenco é fundamental para levantar de forma verossímil tantas discussões complicadas. E nisso, a série se sai muito bem – especialmente considerando que grande parte do elenco é bastante jovem. Os destaques ficam com o carismático Minnette, que carrega a história, e Langford, que encara cenas complexas de forma eficiente. Kate Walsh e Brian d’Arcy James impressionam ao dar vida a reações realistas e distintas de pais em busca de explicações para a morte da filha.

As mudanças temporais, entre as memórias de Hannah e o presente, são simples e por isso funcionam. Com uma edição que flui de um momento para outro em um mesmo take, a diferença está na mudança de temperatura de cores: mais quentes no passado quando havia esperança e frias no presente quando as ações são irremediáveis (além de um machucado propositalmente incurável na testa do protagonista – nada sutil, mas eficiente).

13 Reasons Why, assim como o livro em que é inspirada abre importantes discussões que deveríamos encarar com mais frequência na sociedade. Sua produção não é livre de falhas, mas funciona. E os ganchos em abertos para uma segunda possível temporada nos faz questionar o nível de altruísmo da produção – ainda é um produto e ainda visa o lucro. Sim, é uma série que todos devem assistir, mas com cautela e muita discussão para que nenhuma mensagem seja mal interpretada ou seja perdida no processo.

Existem especulações sobre uma segunda temporada, mas nada foi confirmado ainda. O primeiro ano da série tem 13 episódios, todos já liberados na Netflix.  
Texto originalmente publicado no blog Roteiro Adaptado

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